Passados mais de 3 anos da entrada em vigor da Lei do Direito ao Esquecimento, a Entidade Reguladora dos Seguros avança com norma regulamentar, sem esperar pela regulamentação do Governo. A DECO entende que a norma aumenta a proteção dos consumidores, mas que a regulamentação continua a ser essencial.
A Lei do Direito ao Esquecimento entrou em vigor a 01 de janeiro de 2022 e o Governo ainda não a regulamentou. Entretanto, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), a que a Lei atribuiu poderes para regular a operacionalização do dever de não recolha ou tratamento, pelos seguradores, da informação de saúde relativa às situações de risco agravado de saúde ou de deficiência que tenham sido superadas ou mitigadas pelos requerentes de seguros (associados ao crédito à habitação ou ao crédito ao consumidor), decidiu avançar e aprovou uma norma regulamentar. Esta norma é de cumprimento obrigatório pelas empresas de seguros e foi publicada a 6 de janeiro no Diário da República.
O que é prática habitual – desde logo, para evitar eventuais necessidades de posteriores ajustes – é que as Leis sejam primeiro regulamentadas pelo Governo e só depois reguladas pela entidade reguladora, no caso, a ASF. No entanto, apesar de a ASF não estar “condicionada” a esperar pela regulamentação do Governo, a reguladora avançou.
Por sinal, logo após a publicação da Lei, ainda em 2021, a ASF havia alertado o Governo da altura para a necessidade da sua rápida regulamentação. Ora, não sendo a situação ideal, a regulação setorial avançar antes da regulamentação pelo Governo, esta circunstância acaba por ser reveladora da necessidade premente de conferir alguma proteção aos consumidores, que se encontram totalmente desprotegidos pelo longo vazio da falta de regulamentação. Foi, aliás, este cenário que levou a DECO, conjuntamente com outras organizações, a apresentar uma queixa à Provedora de Justiça, cujo desfecho ainda se aguarda.
Ora, a Norma Regulamentar da ASF sobre o Direito ao Esquecimento, que entrará em vigor 120 dias após a sua publicação, à exceção de 3 artigos, que entram em vigor no dia seguinte, veio, efetivamente, conferir alguma proteção aos consumidores que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência, na contratação de seguros associados ao crédito à habitação e crédito aos consumidores, nomeadamente[1] :
- Proibindo a empresa de seguros de recolher ou tratar informação de saúde relativa a situações de risco agravado de saúde ou de deficiência de pessoas que tenham superado ou mitigado essas situações, no âmbito da declaração inicial do risco, nomeadamente, a identificação e descrição da patologia e protocolo terapêutico.
- Se, no âmbito da declaração inicial do risco, a resposta ao questionário implicar a comunicação de informação de saúde relativa a situações de risco agravado de saúde ou de deficiência superado ou mitigado e o segurado tiver superado ou mitigado estas situações, o tomador do seguro ou o segurado podem responder negativamente a essas questões.
- Se, apesar da proibição quanto à recolha de informação de saúde relativa à superação ou mitigação de situação de risco agravado de saúde ou de deficiência, a empresa de seguros tiver conhecimento de informação relativa a esta situação, a empresa de seguros não pode utilizar essa informação.
A Norma estabelece ainda deveres de informação acerca do regime do direito ao esquecimento, devendo a empresa de seguros, antes da celebração do contrato, informar o tomador do seguro, por escrito e de forma clara e compreensível, usando linguagem corrente. Esta informação deve também ser divulgada no respetivo sítio na Internet.
O questionário que seja eventualmente entregue pela empresa de seguros, no âmbito da declaração inicial do risco, deve mencionar, em caracteres destacados e de maior dimensão do que os restantes, que o tomador do seguro e o segurado têm o direito de não comunicar informação de saúde relativa à situação de risco agravado de saúde ou de deficiência que tenha sido superado ou mitigado.
Apesar de esta Norma Regulamentar da ASF ser fundamental para a proteção dos consumidores, a regulamentação da Lei, por parte do Governo, continua a ser crucial, pois deverá ter por objeto, entre outros, a definição de:
- Categorias específicas de dados e informações que podem ser exigidas aos consumidores, operações de tratamento desses dados e informações e suas garantias de sigilo;
- Um mecanismo de mediação entre os seguradores e as instituições de crédito e as pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência;
- Orientações gerais relativamente à informação a divulgar obrigatoriamente nos sítios da Internet das instituições de crédito e dos seguradores;
- Fixação de uma grelha de referência que permita definir termos e prazos mais favoráveis ao consumidor para cada patologia ou incapacidade, em linha com o progresso terapêutico, os dados científicos e o conhecimento sobre o risco de saúde, de crédito ou segurador que cada patologia ou incapacidade represente.
Acresce, ainda, que existem vários aspetos essenciais que estão dependentes da existência da regulamentação, nomeadamente :
– O acesso a informação sobre o direito ao esquecimento (e sobre a futura regulamentação), por parte dos requerentes de contratos de crédito ou de seguro, em formato e linguagem inteligível para não especialistas, através de uma Ficha de Informação Normalizada (a definir pela ASF e pelo Banco de Portugal/BdP). Só quando existir regulamentação, é que a ASF e o BdP poderão definir estas Fichas, porque elas também vão incidir sobre a própria regulamentação.
– Fiscalização da Lei – Só com o diploma é que poderá haver uma fiscalização da Lei do Direito ao esquecimento, nomeadamente por parte do BP e da ASF, uma vez que é a própria Lei que dispõe que lhes compete, respetivamente, no que respeita aos contratos de crédito e aos contratos de seguros, a fiscalização do cumprimento do decreto-lei (que ainda não existe).
– A aplicação (e até existência) de um regime sancionatório. A aplicação de um regime sancionatório por incumprimento da Lei do Esquecimento, atualmente, pressupõe a violação do Acordo nacional de acesso ao crédito e a seguros (que não existe). Ora, este Acordo era a forma de regulamentação prevista para a Lei. Assim, como à partida não irá existir Acordo, já que, nos termos da Lei, não tendo o mesmo sido celebrado até 30 de junho de 2024, deverão as matérias objeto do mesmo ser definidas através de Decreto- lei, será necessário aprovar o Decreto-lei e alterar os termos do regime sancionatório atualmente previsto, no sentido de o mesmo ser aplicado em caso de incumprimento do Decreto-lei.
[1] Para mais informações acerca desta Norma Regulamentar, poderá consultar o Portal do consumidor da ASF https://www.consumidor.asf.com.pt/w/direito-ao-esquecimento-e-proibi%C3%A7%C3%A3o-de-pr%C3%A1ticas-discriminat%C3%B3rias
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